O Tesouro do Morro Concha

Ilustração de Leonardo Falcão de Oliveira Beazussi, aluno do 7º ano da UMEF Tuffy Nader

Por Homero Bonandiman Galvêas

Independência das Colônias Espanholas na América do Sul

Nossa aventura começa no Peru, a colônia espanhola mais rica da América do Sul, uma das regiões mais ricas em ouro e prata do mundo.

Entre os anos de 1810 e 1830, a América do Sul passava pelo processo histórico de independência das metrópoles europeias, principalmente Espanha e Portugal. Nas colônias espanholas, esse processo foi marcado por guerras sangrentas.

No norte da região, no vice-reino de Nova Granada, formado pelos territórios das atuais nações: Colômbia, Venezuela, Panamá e Equador; Simon Bolívar e seu braço direito Antônio José de Sucre, moveram as guerras de independência contra o domínio espanhol. Após várias batalhas o exército de Bolívar foi vitorioso e ele colocou em prática o seu sonho de transformar a América do Sul em um único e poderoso país. A ideia era unificar todas as ex-colônias espanholas e a colônia portuguesa, o Brasil, em um único país.

Na região sul (cone sul), o grande articulador foi José de San Martin. Após várias batalhas contra os espanhóis, conseguiu a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina, em 1811. Ele formou o Exército Libertador, com soldados argentinos e chilenos. Em 1818, com esse exército atravessou a cordilheira dos Andes e derrotou as forças espanholas no Chile proclamando a independência desse país.

Em 1820 começaram as primeiras batalhas pela independência do Peru. Esta guerra durou até 1826 e foi a mais sangrenta deste período histórico, pois o Peru era a colônia mais rica da região, a que mais interessava a Espanha e naquela altura dos acontecimentos, a única que continuava sobre o domínio espanhol.

José de San Martin, partindo de navio do Chile com seu exército libertador, desembarcou no porto peruano de Pisco, ao sul de Lima, capital do Peru. Derrotou os espanhóis em Pisco e marchou sobre Lima com o apoio de muitos peruanos. Conquistou a capital e declarou a independência do país em 1821.

Mas as suas forças eram insuficientes, até mesmo para manter a posse de Lima, pois os espanhóis estavam se reorganizando em vários pontos do interior do país, principalmente em Cusco. Em julho de 1822 o general argentino viu-se obrigado a pedir ajuda a Simon Bolívar, que acabava de libertar definitivamente o vice-reino de Nova Granada. Após o encontro dos dois grandes libertadores em Guayaquil, San Martin regressou à Argentina e Bolívar, chamado pelo Congresso peruano, atacou os espanhóis que estavam no país. Em dezembro de 1822, proclamou a República do Peru. O general Antônio José de Sucre derrotou os exércitos espanhóis nas decisivas batalhas de Junín e Aycucho, em 1824, e na de Callao 1826. Os espanhóis foram obrigados a capitular e, agora sim, o Peru se tornava um país independente de fato. Somente em 1879 a Espanha reconheceu a independência peruana.

Nas guerras de independência das colônias espanholas na América do Sul, as batalhas foram muito sangrentas resultando na morte de mais de 300 mil pessoas.

O Tesouro da Catedral de Lima

Quando San Martin conquistou o porto de Pisco e começou a ameaçar Lima, capital peruana; o rei da Espanha, Fernando VII que reinou entre os anos de 1813 e 1833, ordenou que a administração espanhola no Peru recolhesse e armazenasse todo o ouro e a prata encontrada na colônia, na maior igreja do país, a Catedral de Lima. Este seria o último butim colonial da Espanha no Peru. O ouro e a prata recolhidos encheram duas salas da catedral até o teto, com mais de 15 metros de altura, por uns 30 de comprimento.

Já em 1821, pouco antes de San Martin conquistar a cidade de Lima, o tesouro foi embarcado em duas caravelas para ser enviado a Espanha. Sabendo que os mares estavam infestados de piratas, os espanhóis resolveram fazer cada uma das duas caravelas seguir por caminhos diferentes, aumentando a chance de sucesso da empreitada.

Uma caravela seguiu rumo ao norte e chegou com sucesso à Espanha. A outra caravela desceu a costa do Peru e do Chile, passou pelo extremo sul da América, o Estreito de Magalhães, a costa da Argentina e do atual Uruguai e entrou no litoral brasileiro. Navegando agora no Oceano Atlântico, deveria chegar a Espanha. Acontece que este carregamento foi atacado por um bando de piratas na altura de Cabo Frio (RJ) no Brasil.

Esses piratas eram de várias nacionalidades: ingleses, russos, franceses, poloneses, etc. Eles ficaram sabendo que uma grande frota combinada de navios de guerra da Espanha e da Inglaterra estava vindo atrás deles e resolveram procurar um esconderijo para o tesouro em alguma parte do litoral brasileiro. Para a Inglaterra ia a maior parte do ouro da Espanha, utilizado para pagar a grande dívida externa da Espanha com aquele país.

Alguns anos depois, em 1830, os piratas foram capturados nas Antilhas, América Central, levados para Havana, Cuba, onde foram enforcados, exceto dois: um russo e outro inglês que conseguiram escapar. O inglês, recapturado mais tarde, foi devolvido à Inglaterra e passou anos na prisão. Depois de solto, veio com um irmão para o Paraná, onde acabou se casando e deixando antes de morrer, anotações sobre o esconderijo do tesouro no livro que batizou de “The Talbot”, pesquisado em 1939 por um jornalista brasileiro, que fez uma série de reportagens sobre o assunto.

O pirata russo, que usava um tapa-olho foi encontrado 15 anos mais tarde (1845) em um hospital de Bombaim, Índia, por um capitão inglês. Antes de morrer o velho pirata revelou a história do assalto e deu as dicas sobre onde estava escondido o tesouro.

Quem foi Charles Baffet?

Em primeiro lugar, foi o aventureiro francês que veio procurar o Tesouro da Catedral de Lima na Barra do Jucu, Vila Velha, Espírito Santo. Mais especificamente no Morro da Concha.

Baffet nasceu na França (+ ou -) 1905 e faleceu em 1990, no Espírito Santo. Era casado com a nobre belga Madalena, prima de Lili de Carvalho Marinho, esposa de Roberto Marinho, antigo dono da Rede Globo de Televisão.

Escreveu o livro: “Como se defender do perigo atômico”.

Era bacharel em Direito, formado em Ciência Política e em Física.

Após obter na Índia informações sobre o tesouro da Catedral de Lima, Peru, veio para Paramaribo, Suriname, ex-Guiana Holandesa, onde foi tradutor e intérprete dos piratas que contrabandeavam café, diamantes e terras raras do Brasil para a China, no início da década de 60. Essas terras raras eram importantes para a China desenvolver o seu arsenal de armas atômicas.

Mudou-se para Vila Velha em 1964. Veio a ser diretor da Companhia de Navegação Delta Line, em Vitória. Mais de 130 anos depois do ataque e do saque pirata ao Tesouro da Catedral de Lima, Baffet veio procurar o tesouro aqui na Barra do Jucu.

O Morro da Concha

Baffet acabou adquirindo a área do Morro da Concha ou pelo menos, os direitos sobre ela, com os herdeiros da propriedade, a família Meneghetti, logo após ter se mudado para a região, em 1964. Procurou o tesouro ali e nos arredores por 22 anos, até o final da década de 80.

Pouco antes de falecer, vendeu o Morro da Concha para a família Vivacqua, que pretendia construir um hotel nesse local.

Hoje o Morro da Concha é tombado como patrimônio natural e faz parte da Reserva Ecológica de Jacaranema.

Esse Morro se chama Morro da Concha por causa do seu formato. É constituído por duas pedras que parecem um budigão aberto, colocado na areia da praia. Um budigão é um molusco envolvido por duas conchas idênticas. Outros dizem que ali eram depositadas pelo rio Jucu muitas conchas fósseis, que o rio escavava e rolava em seu leito.

Em cima do morro há um cruzeiro antigo, marco usado pelos portugueses para sinalizar pontos estratégicos do litoral brasileiro e a presença da religião cristã católica, religião oficial do reino de Portugal durante a Idade Moderna 1450-1800.

Ao se aposentar, Baffet resolveu suspender sua busca para satisfazer um desejo de sua mulher: morar em um sitiozinho longe da cidade. Foi assim que Charles Baffet se mudou, em 1985, para Soído de Baixo, Marechal Floriano, onde viveu seus últimos anos de vida. Ali plantou laranjas, criou galinhas e gansos e cultivou uma quase inédita plantação de azeitonas, no Espírito Santo.

Depois de escrever livros, viajar por todo o Brasil e por várias partes do mundo e ter algumas aulas com o meu pai, Kleber Galvêas, resolveu no início de 1988 se dedicar à pintura. Retratou toda a sua aventura em Paramaribo, inúmeras paisagens no Espírito Santo e realizou fantásticas cópias de Gougain e Van Gough. Kleber Galvêas organizou uma grande exposição de suas 300 pinturas a óleo em sua galeria, na Prainha, Vila Velha, em 1989. Um ano depois, em 1990, Charles Baffet veio a falecer no seu sítio em Marechal Floriano.

Charles fica sabendo do Tesouro

Ele soube da História do tesouro da Catedral de Lima, quando era adido na embaixada francesa na Índia, em Bombaim. Pesquisou a História e ficou impressionado. Comprou um mapa de um descendente do pirata russo que, como vimos, foi um dos dois sobreviventes da embarcação pirata que saqueou o tesouro dos espanhóis e que foi poupado da morte em Cuba, por ser médico.

Quando Baffet vem para o Brasil, encontra mil referências ao tesouro em livros, jornais, documentos e mapas reunidos na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.  Colecionou uma boa quantidade de material publicado na imprensa carioca e paranaense. Formou um verdadeiro dossiê sobre o assunto, com muitos mapas e estudos de latitudes e longitudes. Certamente, a parte mais interessante de sua bagagem, quando se mudou para Vila Velha, em 1964.

Baffet fazia muito mistério com relação ao mapa do tesouro. Segundo Kleber Galvêas: “Eu tentei ver os mapas, mas o francês não mostrava”.

Como Charles chega a conclusão de que o Tesouro estava escondido na Barra do Jucu?

Aqui no Brasil esse Tesouro era conhecido como Tesouro de Trindade. O mapa fazia referência a Trindade, ilha oceânica, pertencente ao Estado do Espírito santo, que fica a 1200 milhas náuticas do continente, partindo do nosso Estado. Até hoje é um lugar ermo e esquecido, contando apenas com uma base permanente da Marinha Brasileira e com a presença de pesquisadores e cientistas, principalmente biólogos e oceanógrafos.

Esta ilha pertenceu à Inglaterra por muitos anos e somente no final da década de 1890, passou a ser a única ilha oceânica do Atlântico Sul a não pertencer à Inglaterra, anexada ao Brasil nessa época.

No fim do século XIX e início do século XX, cerca de 12 expedições foram organizadas por aventureiros ingleses e brasileiros, para procurar o tesouro na Ilha da Trindade. Nem uma delas logrou êxito. Com isso ficou aberto o caminho para várias novas interpretações dos mapas e das dicas, deixadas pelos dois piratas sobreviventes, o russo e o inglês.

O Morro da Concha era uma ilha até o final do século XIX. O rio Jucu, muito mais caudaloso, tinha uma desembocadura (foz) dupla; saía para o mar, pelos dois lados do morro. Fazendo dele uma ilha.

O morro fica no mesmo paralelo da Ilha da Trindade, no continente. A ilha mede aproximadamente 9 km, distância similar a existente entre Barra do Jucu e Ponta da Fruta.

Foi articulando e interpretando essas dicas obtidas por caminhos diferentes, que Charles Baffet chegou à conclusão que o tesouro se encontrava escondido no Morro da Concha ou em suas imediações, na Barra do Jucu. Por isso adquiriu o Morro da Concha, logo após chegar aqui, em 1964 e começou suas pesquisas de campo, que duraram 22 anos.

Essas referências a um tesouro escondido por piratas na costa do Espírito Santo, mais especificamente, na região do Morro da Concha, ou suas imediações, no início do século XIX, aguçaram a curiosidade do francês, que passou muitos anos na tentativa de encontrá-lo. Foi um tempo em que, de acordo com sua mulher, “ele viveu como um tatu”, inventando mil e uma estratégias para achar o butim dos piratas. Morreu com a certeza de que ele se encontrava escondido em algum lugar no entorno do Morro da Concha, na Barra do Jucu.

As Pistas sobre a Localização do Tesouro

Baffet guardava de cor as principais dicas dos piratas, sobre a localização do esconderijo do tesouro. O russo falou do esconderijo da riqueza apontando quatro referências geográficas: uma ilha chamada Trindade situada na costa brasileira; três marcos de pedra branca, com uma barra difícil de encontrar e quase inacessível(a barra de um rio é o lugar de encontro do rio com o mar); duas ilhas de pedra e uma colina superior, terminada em crista-de-galo. As referências do pirata inglês eram também meio misteriosas. “Indo do sul para o norte, o navegante avista ao lado do Pão de Açúcar uma depressão brusca na cordilheira de serras, onde têm um ressalto de pedra. Entre esse ressalto e duas outras grandes pedras há um canal difícil de ser procurado; perto da cascata, na face sul da colina (a 5,3 graus do Pão de Açúcar) existe uma cavidade fechada e outras três cavidades fechadas”, e a última pista eram “Quatro grandes quartos no solo duro”.

O Morro da Concha tinha no seu lado sul, uma nascente, que descia do morro formando uma pequena cascata, entre as pedras do local, indo para o mar.

Já no Espírito Santo, Baffet foi associando as coisas. Sacou que a Ilha da Trindade fica em latitude idêntica à da Barra do Jucu. Teve evidências de que a Barra do Jucu tem uma barra difícil de ser encontrada e penetrada. Percebeu que a paisagem em crista-de-galo bem poderia ser o contorno das serras em torno do monte Mestre Álvaro, no atual Município da Serra, que era o primeiro ponto a ser avistado do mar para quem vinha para nossa região, e que podem ser avistadas da Barra do Jucu. Interpretou que o Pão de Açúcar não tinha nada a ver com o morro existente no Rio de Janeiro (no século XIX chamado pelos portugueses de “cara de cachorro”) e bem que poderia ser o Penedo, encontrado na Bahia do Espírito Santo, perto do atual porto de Capuaba, em Vila Velha. Um Pão de Açúcar era a denominação de qualquer grande pedra exposta, sem cobertura de solo e pouca vegetação. Descobriu que o Frei Leopardo, morro situado dentro da Ilha de Vitória, possuía várias grutas (pequenos buracos) em sua base e que entre o Frei leopardo e a Barra do Jucu existem outras pedras significativas. Depois de muitas investigações e passeios, adquiriu a certeza de que o butim fora enterrado no Morro da Concha ou em suas imediações.

A Caçada ao Tesouro

Baffet acabou comprando a área do Morro da Concha. Além de pesquisar a topografia do local, começou a observar os movimentos da terra, o tipo de vegetação ali existente, o movimento dos ventos e das marés e, é claro, começou a cavar sozinho ou acompanhado. Acabou gastando uma boa soma nesta busca, adquirindo vários detectores de metais e outros equipamentos mais modernos para identificar pedras e a profundidade da terra. Foi também descobrindo novas evidências de que a riqueza poderia mesmo ter sido enterrada ali.

Nas escavações utilizou vários operários. Comandados por Dona Corina Leite Ribeiro, que baffet trouxe para morar no morro. Hoje ela empresta seu nome para a maior creche da Barra do Jucu: ACOLE. Fotos com infravermelho, avião, detectores seletivos de metais, bombas de água (mangueira de alta pressão, tipo a utilizada pelos bombeiros) e trator com escavadeira, também foram utilizados nessa busca.

Certo dia contratou um avião e tirou fotos aéreas com filme infravermelho e detectou alguns pontos quentes radioativos. Sendo ele físico nuclear, o mais forte chamou muito a sua atenção pela alta intensidade. Esse encontra-se na depressão entre as duas pedras que formam o Morro da Concha. Bem atrás de onde ficavam os barracos dos pescadores, no fundo da praia da Concha, em trilha que vai para a barrinha do rio Jucu.

Com o trator tinha que ultrapassar um grande desafio, fazê-lo subir o morro e chegar ao outro lado da pedra, isto foi uma aventura. Para realizar a façanha, acompanhado de vários amigos, chegou a construir uma rampa com a areia da praia, na face sul do morro, onde fica a praia do Barrão. O trator conseguiu subir por ali no limite da sua inclinação, foi um sufoco. Chegou ao objetivo e cavou um grande buraco no lugar, com aproximadamente 50 metros de comprimento, 4 metros de profundidade e 20 metros de largura. O que ainda pode ser visto no local.

Em outros momentos cavou manualmente, sozinho ou com ajudantes. Certo dia encontrou um fosso formado naturalmente numa depressão da pedra. Encontrou também, em outra ocasião, a um metro e vinte da superfície um cachimbo em barro esculpido a canivete formando a figura da cabeça de um marinheiro, provavelmente inglês.

O fim da Aventura

Baffet procurou o tesouro no Morro da Concha, por 22 anos. Segundo ele, só encontrou cachimbos, fragmentos de louças, poucas moedas de cobre e talheres de prata.

Ao se aposentar, resolveu suspender as buscas e foi morar em Marechal Floriano, onde morreu em 1990.

De toda a experiência reunida nesses vinte anos de procura, chegou à conclusão de que a caça ao tesouro exige mais tempo e dinheiro do que poderia dispor.

Para ele, o tesouro da Barra do Jucu foi mais um capítulo em sua vida de aventuras. Motivo para muito exercício físico e para “manter uma aranha no teto”, dizia. Mas não desistiu de suas convicções: morreu com a certeza de que o tesouro ainda se encontrava lá, no mesmo lugar, no Morro da Concha, na Barra do Jucu.

Recentemente, no mês de maio de 2017, o Museu Vivo da Barra do Jucu, realizou uma roda de conversa, com os velhos pescadores da região, que na época viviam o dia todo na Concha, por conta da pescaria. Questionados sobre o tesouro, todos conheciam a história. Paulo Lira, Esmerino Laranja e Marcelo disseram que o francês não encontrou a riqueza procurada. Enquanto seu Alceste disse que se ele tivesse encontrado não falaria para ninguém, o que segundo ele, foi feito pelo francês. Pode ter encontrado e não comunicado a ninguém. Quem sabe?

 

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