Jacarenema – História

Mar, praias, rio, morro, mangue, restinga, pontes, bichos, pessoas, histórias. Muitas histórias. Assim forma-se o mosaico de elementos que compõem a história do Parque de Jacarenema. Sua riqueza natural e sua beleza cênica chamam a atenção e é fácil se apaixonar por este pedacinho do Planeta. Por isso é tão importante preservá-lo!

Salvar Jacarenema da sanha imobiliária capitalista é uma tarefa que está atravessando décadas e a ameaça é constante. O primeiro documento que despertou esta necessidade foi um artigo publicado pelo ambientalista Augusto Ruschi, em 28 de fevereiro de 1979, no Boletim de Biologia Prof. Melo Leitão, intitulado “As Restingas do Estado do Espírito Santo”, onde o ambientalista descreve a diversidade de flora e fauna destes locais. Ruschi chama a área de Parque Fazenda Itapuera e sugere a transformação do local em Jardim Ecológico de Restinga.

Boletim de Biologia Prof. Melo Leitão – “As Restingas do Estado do Espírito Santo”. 28 de Fevereiro de 1979, p. 38.

Mas quem iniciou a luta pela preservação da área foi o pintor Kleber Galvêas, morador da comunidade. Ele conta que tomou a iniciativa quando ainda era professor na Escola Polivalente de Itaparica (1977). Um dia, ao retornar para casa após o trabalho, viu um incêndio na área do Jussará (um conjunto de ilhas e floresta na região; hoje é o conjunto de bairros que formam a Grande Terra Vermelha). Era o local onde, nos anos 60 e 70, as famílias moradoras da Barra iam buscar lenha. O trajeto era feito principalmente por mulheres e crianças que iam e voltavam cantando: “Era um espetáculo fantástico”. Ele foi até a guarda rodoviária e pediu para usar o telefone para chamar os bombeiros. “A Barra não tinha telefone ainda”. Na mata do Jussará também os pescadores tiravam madeira para fazer canoa.

A Tribuna, 23 de julho de 1979

 

A Tribuna, 29 de julho de 1979

 

A Tribuna, 09 de Agosto de 1981

“Quatro matas, somando aproximadamente 1,7 milhão de metros quadrados, foram destruídas na Barra do Jucu, em Vila Velha, nos últimos cinco anos. Primeiro, foram devastadas as de Tapuera Pequena, Tapuera Grande e Itapuera, transformadas em fazenda ou campo de treinamento do Exército. Neste ano, a Imobiliária Itaparica, dona de mais cinco milhões de metros quadrados, iniciou o desmatamento de Jacarenema”.

Jornal A Tribuna, de 09 de Agosto de 1981.

Nesta caminhada foram somando-se muitos apoios. Para chamar a atenção das autoridades para a destruição do jussará e a necessidade de desapropriação e preservação da área, Kleber organizou com mestres de congo, seu Alcides e Seu Honório, um ato público no Centro de Vila Velha, isso em 1981. O panfleto que convocava para o ato dizia: “Preserve Jacarenema – Venha dançar com a Banda de Congo na Praça Principal de Vila Velha”.

Panfleto para divulgação do ato em defesa de Jacarenema, organizado em 1981, por Kleber Galvêas e mestres do congo (Honório e Alcides)

O prefeito era Américo Bernardes, que para não ceder à pressão dos barrenses, fugiu pela porta dos fundos da prefeitura. O que ele não contava era com a presença da jornalista Violene de Carvalho, a colibri, então jornalista da Rádio Vitória. Junto com o ambientalista César Musso, que na época estava fotografando o ato, foram buscar o prefeito em casa e lá na praça Américo Bernardes. “Quando o prefeito chegou, o congo parou e todos falaram da necessidade de proteger Jacarenema”. Diante das declarações, o prefeito prometeu assinar o decreto de desapropriação. A promessa foi cumprida, mas quando Américo Bernardes se afastou da prefeitura, 10 meses antes de terminar o mandato, seu vice, Gotfrio Anders, anulou o decreto de desapropriação. O prefeito seguinte, Vasco Alves, publicou novo decreto de desapropriação.

Outro caminho trilhado por Galveas para proteger a área foi requerer seu tombamento como monumento paisagístico natural junto ao Conselho Estadual de Cultura (CEC), em 1983, iniciativa apoiada pela comunidade e organizações ambientais, de cultura e outras. Veja o requerimento apresentado ao CEC. Como estratégia para convencer o conselho, Kleber comprou um barco inflável, que trouxe de viagem dos Estados Unidos, e passou a levar pessoas de renome, como artistas, escritores e cineastas, para descerem o Rio Jucu e conhecerem a foz e parte da reserva. No final, os convidados redigiam um texto sobre o tinham visto reconhecendo a área como “paisagens naturais notáveis”, que era anexado ao processo de tombamento.

A empresa dona da área, a Imobiliária Itaparica de propriedade da Família Oliveira Santos, tentou, através de diversos recursos judiciais, evitar que o tombamento fosse aprovado pelo Conselho. Em uma das peças judiciais, alegou que o local era utilizado pela própria prefeitura como depósito de lixo. O documento citado pelos advogados da empresa Imobiliária Itaparica, trata-se da primeira proposta de Implantação do Parque Municipal de Jacarenema elaborado por um grupo de Estudos, que encontrou a Prefeitura Municipal abrindo uma estrada e jogando lixo no local.

A primeira proposta de Implantação do Parque Municipal de Jacarenema foi elaborada por um grupo de Estudos do qual participaram Bárbara Weiber, César Musso, Geraldo Pignaton, José Carlos Marangoni, Kleber Galvêas, Maria da Penha Padovan, Paulo Von Randow e Rubens Gomes Filho. E contou com a colaboração ainda de Ana Paula Carvalho Andrade, Anlene Gomes de Souza e Vera Lucia Tâmara Bezerra, estudantes do curso de Arquitetura da Ufes, sob a orientação do professor Kleber Frizzera.

Foram três anos de ações e muitas folhas anexadas ao processo até que o Conselho Estadual de Cultura finalmente, em 17 de novembro de 1986, aprovou o tombamento da Reserva de Jacarenema.

Entretanto esta vitória da mobilização social que se criou em torno da proposta de tombamento não foi suficiente para proteger este patrimonial natural de Vila Velha. Em 28 de fevereiro de 1990, o Tribunal de Justiça (TJ-ES) acatou um mandato de segurança dos proprietários da área e anulou a decisão do Conselho de Cultura. A alegação foi de que não houve o pagamento da área.

Mas o movimento em defesa de Jacarenema, do Rio Jucu, do Morro da Concha e de todos os recursos naturais que tornam este lugar tão especial ganhou outras vozes e outras frentes de luta. Em 28 de julho de 1997 foi aprovada a Lei 5.427 que criou a Reserva Ecológica Estadual de Jacarenema. O autor foi o deputado estadual Claudio Vereza, que contou também com o apoio da comunidade barrense, desta vez organizada na Associação de Moradores e Amigos de Jacarenema (Amabarra), do Movimento Pró-Jacarenema, ambientalistas e diversos outros segmentos sociais locais, municipais e estaduais.

 

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